III
O sol batia no seu rosto branco e o forçou a abrir os olhos. Olhou pela janela e já era tarde. Passava do meio-dia. O que haveria acontecido com o carroceiro que passava todas as manhas em frente a sua casa, acordando-o com o barulho das lenhas batendo entre si?
Arrumou-se rápido, sem nem mesmo parar para comer algo. Saiu de casa as pressas. Abaixou a cabeça pela vergonha de ter dormido até tarde. Não queria ter que encarar as pessoas. Era apenas um vilarejo, desses em que todos se conhecem e cuidam da vida uns dos outros. Mas estava feliz no fundo, pelo merecido descanso. Ele já não lembrava mais da ultima vez em que havia feito isso. E trabalhava de sol a sol todos os dias. Não tinha motivo para se envergonhar. E isso lhe ecoou pela mente. Então ergueu a cabeça.
E não viu nada.
Nada além do mesmo cenário de sempre. Os casebres pobres, as cercas tortas e mal pregadas, as estradas de terra marcadas pelas rodas das carroças...
O silêncio só fora quebrado pelo barulho duma janela aberta, batendo ao balanço do vento. Passou por ela tentando olhar o seu interior, mas estava escuro demais.
Parou de caminhar e pôs seus olhos a correr ao seu redor. Nem pessoas. Nem animais. A cidade estava deserta. Deu alguns passos perdidos, rumando junto ao vento, como se empurrado por ele.
Chamou por alguém, mas só o vento lhe respondia.
Quando se deu conta estava perto do muro. Há poucos passos daquele portão que era, aparentemente, a única entrada para aquele lugar protegido por muralhas enormes.
Caminhou até ele. Parou a sua frente e o fitou com os olhos. Olhou para os lados, ainda perplexo e incrédulo com o sumiço de todos. E voltou a fixar os olhos no portão.
Dessa vez havia algo diferente nele. Ele parecia estar mais leve. Ou pelo menos era essa a sensação que ele agora transmitia.
Então o rapaz o tocou. Espalmou-o com as duas mãos e fez força para empurrá-lo. Fez muita força. Tentou várias vezes. Até desistir. Estava arfando. O portão continuava pesado como sempre. Não havia deixado de ser um enorme bloco de ferro bruto e gelado.
Até então ninguém sabia como esses muros haviam sido erguidos. Não se conhecia o proprietário. E também não havia histórias sobre como ele fora erguido. Mas era notável sua idade avançada, devido à cor escurecida das pedras, ao seu desgaste e ao manto de vegetais.
O sol começava a baixar. Resolveu ir para casa. Com passos preguiçosos e expressão despreocupada.
Talvez tudo fosse um sonho. E daqui a pouco ele acordaria.
Chegou em casa. Comeu e bebeu. Leu algumas páginas dum livro velho, quase esquecido em cima da mesa. E tocou sua flauta. Então, adormeceu.
1 Comments:
Advinha quem tá curiosa???
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